segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Carta de um eremita envolto pela multidão, sozinho na imensidão dum vasto deserto de sentimento torturante. Inquisição da alma. Indulgência poética.

É para você que ligarei, à noite, bem à noitinha para contar-lhe meus segredos. Contarei também meu cansaço, moeda por moeda, até que eu chore sob a influência da brisa que soprará naquele momento. Vou ligar-me a você intimamente, para que vejas os meus pensamentos, os mais ocultos. Eis que rirei como cascata em queda, engolindo seco o impacto das pedras lá embaixo; logo pularei de gota em gota daquele vapor: cantarei os odes da mata. O herbáceo odor, o odor das folhas. Aliciar-me-ei a seus cheiros, embalar-me-ei como uma sorridente pamonha aquecida. Os chiados da ligação farão parte da sinfonia, a orelha tende a ficar amassada e vermelha quando pressionada pelo monofone. Sua voz é que conforta a minha dor, a dor de longe estar. É para ti que contarei minhas vitórias, feitos, ações de graça; até a formiga que deixei de esmagar com os pés, à custa de um tombo que levei pela calçada, os livros se espalhando pela lama. Contarei meus projetos mais irrisórios, assim como roubar a flor do terreno da vizinha para lhe ofertar. Assim me derramarei perante ti; assim me reduzirei a confidente patético, de feitos sem sucesso e ignóbeis.

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